José Tadeu Arantes | Agência FAPESP*
– Uma grande cratera, produzida pelo impacto de um objeto celeste,
estende-se por uma área de 10,2 quilômetros quadrados na periferia do
município de São Paulo. A formação geológica, denominada cratera de
Colônia, situa-se a menos de 40 quilômetros do marco central da cidade, a
Praça da Sé, na orla sudoeste da bacia hidrográfica Billings.
Com o interior atulhado por sedimentos e a borda coberta pela
vegetação, a cratera permaneceu ignorada até o início da década de 1960,
quando as fotos aéreas e depois as imagens de satélite puseram em
evidência sua forma circular característica. A primeira referência na
literatura especializada data de 1961, com a publicação, no Boletim da Sociedade Brasileira de Geologia,
do artigo “Estudos preliminares de uma depressão circular na região de
Colônia: Santo Amaro, São Paulo”, assinado pelos professores Rudolph
Kollert, Alfredo Björnberg e André Davino, da Universidade de São Paulo
(USP).
Mas, como estruturas circulares podem resultar de outros fatores,
como o vulcanismo, por exemplo, persistiu por muito tempo a dúvida sobre
se a cratera de Colônia havia sido realmente criada pelo choque de um
corpo extraterrestre. Apenas em 2013, graças a uma pesquisa conduzida
pelo geólogo Victor Velázquez Fernandez, professor da Escola de Artes,
Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), foram
finalmente reunidas as evidências que comprovaram a hipótese do impacto.
O estudo, que prosseguiu até 2015, teve o apoio da FAPESP: “Cadastramento
dos elementos geológicos e geomorfológicos da cratera de Colônia para
estabelecer uma estratégia de gestão e preservação ambiental”.
Artigo relatando as evidências foi publicado por Velázquez e colaboradores no International Journal of Geosciences: “Evidence of Shock Metamorphism Effects in Allochthonous Breccia Deposits from the Colônia Crater, São Paulo, Brazil”.
Artigos posteriores do pesquisador enfatizaram também outro aspecto
do tema, que é a caracterização dessa formação geológica como patrimônio
natural e área a ser protegida e conservada: “The Colônia Impact Crater: Geological Heritage and Natural Patrimony in the Southern Metropolitan Region of São Paulo, Brazil” e “The Current Situation of Protection and Conservation of the Colônia Impact Crater, São Paulo, Brazil”.
“O impacto produziu um buraco de 3,6 quilômetros de diâmetro, com
cerca de 300 metros de profundidade e uma borda soerguida de 120
metros”, disse Velázquez à Agência FAPESP. “Mas, ao longo do
tempo, e devido ao intenso processo de intemperismo característico do
território brasileiro, esse buraco foi inteiramente preenchido por
sedimentos e coberto pela vegetação, resultando em uma área plana
circundada por colinas. Foi uma evolução muito diferente daquela
ocorrida, por exemplo, na Cratera Barringer, no Arizona, Estados Unidos,
onde a estrutura geológica ficou praticamente intacta devido ao
ambiente desértico.”
“No caso de Colônia, a forma circular perfeita, registrada nas
fotografias aéreas, constituía forte indício de uma estrutura de
impacto, formada pela colisão de um cometa ou asteroide na superfície
terrestre. Mas não era, por si só, um dado suficiente para confirmá-la.
Por isso, tivemos que partir para o estudo petrográfico, com a análise
microscópica dos sedimentos”, prosseguiu o pesquisador.
Segundo Velázquez, a coleta de material tornou-se possível devido a
sondagens realizadas na região para fornecimento de água potável. As
perfurações, realizadas na área sedimentar, chegaram a 300 metros de
profundidade, até encontrar a rocha dura. Devido a uma cooperação então
existente entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp) e a EACH-USP, amostras de sedimentos, colhidas metro a metro,
foram fornecidas à universidade para estudo.
“Nas amostras coletadas, encontramos várias evidências. Uma delas,
bastante forte, foi a evidência de transformação de vários minerais, em
particular, quartzo e zircão. Para a transformação desses minerais é
necessária uma pressão superior a 40 quilobars [40 mil vezes a pressão
atmosférica padrão] e uma temperatura da ordem de 5 mil graus Celsius.
Esses patamares de pressão e temperatura são característicos da potente
liberação de energia resultante do impacto na superfície terrestre de um
objeto proveniente do espaço interplanetário”, informou o pesquisador.
Com esta e outras evidências do mesmo naipe, a hipótese do impacto
foi demonstrada. E a cratera de Colônia encontra-se, agora, devidamente
inventariada na Earth Impact Database (EID), uma base de dados
internacional mantida pelo Planetary and Space Science Centre (PASSC),
instalado na University of New Brunswick, Canadá. A EID contém a relação completa das 188 estruturas de impacto confirmadas em todo o mundo.
Monumento Geológico
Os estudiosos ainda não sabem que tipo de objeto provocou o impacto,
se um corpo rochoso ou metálico, como o de um asteroide, ou um corpo
constituído por gelo, como o de um cometa. “Mas há, atualmente, 50 novas
amostras em estudo no Canadá, que poderão fornecer os dados que faltam
para a determinação do objeto impactante”, afirmou Velázquez.
Outra expectativa é que a investigação ainda em curso possibilite
estabelecer com maior exatidão a data do evento. Por enquanto, a data
estimada é bastante imprecisa, situando-se em um intervalo de 5 milhões a
36 milhões de anos no passado. “A importância de melhorarmos
substancialmente a datação é que isso criará condições para um estudo
paleoclimático com base nos sedimentos encontrados. Analisando,
centímetro por centímetro, a composição da coluna de sedimentos, desde a
profundidade de 300 metros (correspondente à data do impacto) até o
nível da superfície (correspondente à data atual), será possível compor
um quadro bastante expressivo da evolução do clima na América do Sul e,
por extensão, no mundo”, explicou o pesquisador.
Por isso, a cratera de Colônia possui, do ponto de vista científico,
uma importância inestimável. Mas, para que seu potencial se efetive, é
preciso que o patrimônio seja preservado e adequadamente manejado. A
formação foi declarada “Monumento Geológico” pelo Conselho Estadual de
Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo (CoMGeo-SP) em 2009. Porém,
quando isso ocorreu, parte da área já se achava ocupada.
“Há, na borda norte, uma ocupação menor e bastante antiga, promovida
por colonos alemães que chegaram à região por volta de 1840. Devido a
ela, a área recebeu inicialmente o nome de ‘Colônia Alemã’, denominação
que mudou para apenas ‘Colônia’ durante a Segunda Guerra Mundial. Mas há
também uma ocupação mais recente, bem maior e desordenada, ocorrida nas
décadas de 1980 e 1990, que deu origem ao bairro de Vargem Grande,
atualmente com cerca de 47 mil habitantes”, disse Velázquez.
Com habitações precárias e grande carência de equipamentos urbanos,
Vargem Grande [não confundir com Vargem Grande Paulista, que é um
município da Região Metropolitana de São Paulo, nem com Vargem Grande do
Sul, que é um município da Mesorregião de Campinas, no Estado de São
Paulo] possui as mazelas características de vários bairros periféricos
das grandes metrópoles brasileiras. Como o lençol freático é muito
aflorado, devido à estrutura sedimentar do terreno, os moradores não têm
sequer a opção de cavar fossas sépticas, de modo que os esgotos fluem a
céu aberto.
“Em contraste com a borda norte, a borda sul é ocupada por sítios
cujos proprietários se dedicam à permacultura [agricultura ecológica].
Isso é muito interessante, porque são pessoas engajadas na preservação
do meio ambiente. Existem ali matas densas, com trilhas muito
aprazíveis”, relatou o pesquisador.
A preocupação em conservar o patrimônio geológico levou Velázquez e
seus colaboradores a incorporar ao projeto de pesquisa tópicos relativos
à preservação ambiental e à gestão da área.
“Com foco na preservação, estamos atuando em três frentes distintas.
Primeiro, na criação de um site, abrigado no portal da USP, que
possibilite a visitação virtual da cratera, com acesso diferenciado para
pesquisadores, estudantes e público em geral. Segundo, na produção de
um gibi em branco e preto, para ser distribuído nas escolas de primeiro
grau de Vargem Grande e colorido pelos alunos, de forma que estes se
sintam responsáveis pela área e se empenhem em sua conservação.
Terceiro, no trabalho de campo em educação ambiental e turismo
ecológico”, detalhou.
Velázquez estuda regularmente a região desde 2005. E disse que, ao
longo destes 11 anos, testemunhou uma lenta mas consistente tomada de
consciência da população local quanto à importância de preservar a
formação geológica. “Construímos uma boa interlocução com as associações
de moradores, que estão atualmente empenhadas em iniciativas como o
Movimento Cratera Limpa”, afirmou.
Das 188 crateras de
impacto catalogadas pela EID, existem apenas duas habitadas: Colônia, no
Brasil, e Ries, na Alemanha. Diferentemente do que ocorreu aqui, porém,
Ries, cujos primeiros vestígios de assentamentos humanos remontam ao
período paleolítico, foi objeto de um criterioso manejo. Em torno da
cratera, de 24 quilômetros de diâmetro, estende-se o primeiro geoparque da Bavária, com 1.800 quilômetros quadrados de área.