terça-feira, 22 de novembro de 2011

Geógrafo propõe nova divisão territorial do Brasil

Diante da repercussão referente à divisão do Pará, e criação dos estados de Carajás e Tapajós. O blog Geógrafos reproduz uma notícia veiculada no dia 11 de novembro de 2011, pelo site de notícias da BAND, no qual José Donizete Cazzolato, geógrafo pela Universidade de São Paulo e pesquisador do CEM-Cebrap (Centro de Estudos da Metrópole) propõe uma reestruturação do Brasil. A partir desta proposta incentivamos aos leitores do blog a emitir suas opiniões e considerações a respeito deste tema, que com certeza produz consequências no planejamento do território nacional. O que vocês acham desta reestruturação?


Proposta

Mais de 20 anos após a criação do Estado do Tocantins, o Brasil volta a viver o debate sobre a reestruturação de seu mapa político, com a possível divisão do Pará em três unidades. Na esteira destes acontecimentos, um geógrafo propõe uma nova divisão, com a criação de 40 unidades federativas, sendo 37 Estados e três territórios. A tese está no livro: “Novos Estados e a divisão territorial do Brasil – uma visão geográfica”. 
José Donizete Cazzolato, geógrafo pela Universidade de São Paulo e pesquisador do CEM-Cebrap (Centro de Estudos da Metrópole), realizou o trabalho a partir de projetos para a criação de novos Estados, enviados por parlamentares ao Congresso Nacional, e os adaptou de acordo com uma padronização teórica. “Muitos desses projetos são muito interessantes, mas outros não têm nenhum embasamento técnico e por isso são inviáveis”, diz ele. 
Desde a promulgação da atual Constituição, em 1988, há ao menos 30 projetos para criação de novos Estados, nas cinco regiões do País. “Temos várias propostas na fila. Algumas são extintas, rejeitadas, mas depois voltam a ser apresentadas”. 


Pará


Em dezembro, a população paraense participará de plebiscito para decidir a divisão do Pará e a criação de mais dois Estados: Tapajós e Carajás. Cazzolato defendeu a iniciativa. 
“Já passamos pela criação de vários Estados - como Alagoas e Paraná - que atendeu a interesses políticos. Em outros casos, como Mato Grosso do Sul, não houve diálogo. Desta vez, foi utilizada a via mais correta”. 
O geógrafo, aliás, também previu em seu estudo a criação de três Estados, com as mesmas capitais. A única diferença está na distribuição de território entre o novo Pará e o futuro Tapajós. “O que vemos hoje, com este plebiscito, é mais um capítulo recorrente na história do Brasil, de luta pela divisão do território. É uma ópera com atos bem variados”. 


Critérios
Nova divisão daria ao Brasil 37 Estados e três territórios
Divulgação


Para Cazzolato, é preciso atender a alguns requisitos para que a viabilidade dessas novas unidades federativas seja garantida. “Um novo Estado precisa ter uma extensão razoável, além de uma população expressiva e um determinado número de municípios. Várias das propostas levadas a Brasília não atendem a estas exigências”.
Ele sugere inclusive que a União crie determinações legais sobre o assunto. “Hoje não temos critérios técnicos. Quantos municípios precisa ter nesta região? Qual a área mínima? Somente atendendo a estes requisitos o projeto poderia seguir em frente, senão qualquer dia alguém vai propor transformar o bairro de Santo Amaro, em São Paulo, em um novo Estado”. 
Além do tripé população-área-municípios, Cazzolato também aponta um fator importante para a criação de um novo Estado: a identidade regional. “É preciso seguir uma tendência, uma realidade geográfica, já que existe uma independência em certas regiões, com perfis próprios”. 
Além disso, o geógrafo da USP também sugere a criação de um calendário específico. “As alterações poderiam ocorrer a cada dez ou 20 anos, após amplo estudo. Se não, teremos criação de novos Estados a cada ano, o que traria complicações”.


Novos Estados


Segundo o projeto de Cazzolato, os Estados que sofreriam as divisões mais intensas são Bahia, Minas Gerais e Amazonas. “Vários projetos enviados ao Congresso previam dividí-los. Estudei estes projetos e apliquei a conveniência geográfica”. 
O Amazonas perderia parte do território para o Acre, que seria ampliado, e para a criação do território de Solimões. Extintos em 1988, os territórios eram unidades federativas de menor autonomia, em que os governadores eram nomeados pelo governo federal. 
Mas as alterações mais intensas ocorreriam em Minas Gerais, com a criação de mais dois Estados: Triângulo Mineiro e Montes Claros. Este último Estado, aliás, abarcaria também uma parte da atual Bahia. 
A Bahia, por sua vez, cederia território para três novas unidades. Além de Montes Claros, a região sertaneja à oeste, com capital em Barreiras, também se emanciparia de Salvador. Mas ele destaca a criação de um novo Estado com municípios à margem do Rio São Francisco. 
“Estas cidades hoje têm uma identidade regional forte, inclusive realizando projetos políticos e econômicos em conjunto. Seria interessante criar este Estado, unindo cidades que hoje são da Bahia e Pernambuco”.  
Outro Estado que poderia ser criado, desta vez no Sudeste, seria no interior paulista, com capital em Campinas. “O Estado de São Paulo se reduziria aos vales do Paraíba e do Ribeira, além da região metropolitana. Mesmo assim, seria muito rico e populoso”.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Regiões Culturais de um País de Escala Continental

Solicitamos ao Geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber que escrevesse um artigo para ser publicado no blog Geógrafos. Para nossa satisfação, ele nos respondeu enviando vários textos, fotos e artigos de sua autoria, elaborados desde 1946 até o ano de 2010. Desta forma, apresentamos o texto “Regiões Culturais de um País de Escala Continental”, texto inédito que compõe o livro que descreve a obra e a vida deste renomado cientista brasileiro.



Aziz Nacib Ab’Saber


            Uma busca velada para o reconhecimento de áreas culturais, em um país de escala continental, vem ocorrendo desde os meados do século. Não se pode negar, entretanto, que a efetiva identificação de regiões ou células culturais modernas, diferenciadas por critérios antropológico-culturais, vem sendo relegada ao improdutivo compartimento das tarefas para o futuro.
            Ao longo do tempo, desde o século XVI, sucederam-se experiências classificatórias, sob os mais diferentes critérios e exigências de modelos administrativos (...) E, mais recentemente, uma fértil classificação de domínios morfoclimáticos e fitogeográficos.
            Da genialidade de um Martius — como fruto maduro de suas viagens — ficou estabelecido em mapa o mosaico básico dos grandes domínios de natureza no Brasil (1858). Detalhamentos e acréscimos importantes foram produzidos por Saint Hilaire em suas numerosas viagens pelo interior do país. À primeira geração de viajantes naturalistas sucederam-se as observações pontuais de Darwin, as mal-sucedidas investigações de Louis de Agassiz, e as múltiplas e fragmentarias pesquisas de Hartt. Entrementes, a difusão dos conhecimentos pioneiros acumulados sobre os domínios de natureza foi quase zero, por quase um século. Pelo contrário, o conhecimento ficou circunscrito ao círculo restrito dos eruditos, através de uma consciência epidérmica e muito pouco criativa. Governantes, políticos e burocratas preferiram sintetizar o território total pela ótica do estadualismo e unidades administrativas. Quando muito se atreveram a falar no arquipélago brasileiro, centrando-se na ausência de integração das diferentes regiões humanizadas, relativamente separadas entre si, numa visualização puramente demográfico-social de uma certa época. Outros reduziram o tratamento do espaço total sob a simbólica e inútil designação de “dois Brasis”.
            No ensino, por um tempo que atinge até a década dos 40 do presente século, imperou uma vigorosa e improdutiva geografia descritiva, centrada em uma infindável nomenclatura de acidentes naturais, em divisões simplificadas e genéricas dos diferentes quadrantes do território. Quando não se fazia — ao não ser — uma divisão simplista e teimosamente tripartite dos planaltos e planícies do grande e mal conhecido país. De qualquer forma, nessa faixa dos domínios da natureza, foi lenta e sofrida a retomada dos conhecimentos pioneiros, iniciados pelos grandes viajantes e naturalistas do século passado. Todas as constituições brasileiras falaram apenas em uma divisão do espaço que comportava Estados, territórios e municípios. Enquanto a Constituição de 1988, ao intentar uma inovação, considerou como patrimônio nacional apenas a Amazônia, o Pantanal Mato-Grossense, as matas atlânticas e a Serra do Mar, numa prova de empirismo e falta total de responsabilidade intelectual e científica de toda uma geração de constituintes, provenientes de diferentes áreas do país.
            No vasto conjunto das Américas, entretanto, muito cedo se pode reconhecer áreas culturais de grupos étnicos e linguísticos primários, herdadas da Pré-História (...) Pesquisas linguísticas e culturológicas que envolveram cientistas alemães, franceses, norte e sul-americanos, incluindo numerosos brasileiros, nas ultimas décadas. Mas persiste o contraste entre o mapa das áreas culturais dos grupos humanos do passado em relação ao esperado mapeamento das áreas culturais modernas. As raízes dessa discrepância são múltiplas e até certo ponto justificáveis pelo fato de envolverem sérias questões têmporo-espaciais e de dinâmica populacional. É certo que em seu espaço total um pais das dimensões e ordem de complexidade como o Brasil apresentará mapas de áreas culturais bastante diferenciados entre si, no seu detalhamento regional e sub-regional. Ninguém se lembrou que ao sabor amargo do subdesenvolvimento e das sucessivas correntes de migrações internas, e injeções de grandes contingentes de imigrantes procedentes das mais variadas regiões do mundo, tudo se complica para a tarefa de elaboração do quadro das áreas culturais modernas. Na ausência desses quadros de referencia temos que realizar um desesperado esforço de recomposição dos cenários perdidos, levando em conta os momentos que precedem de imediato as grandes rupturas, responsáveis por modificações e aceleração de processos diferenciadores.
            Uma outra abordagem disponível é aquela introduzida por Bernard Kayser, referente as divisões dos espaços geográficos e econômicos dos países subdesenvolvidos. Na base de critérios múltiplos, o grande geógrafo de Toulouse reconheceu nos países do Terceiro Mundo — e, sobretudo, naqueles dotados de grandes espaços geográficos — uma serie de tipos de regiões, dotadas de características e problemas bastante diferentes. Baseado em seus conhecimentos sobre diversos países sujeitos a um desenvolvimento desigual, Kayser reconheceu regiões indiferenciadas, regiões submetidas a planejamentos revitalizadores, regiões de especulação agrícola, bacias urbanas e regiões de organização complexa, ditas auto-organizadas. Trata-se de uma tipologia genérica de especialização que, sujeita a algumas modificações e adaptações, pode ajudar em muito o entendimento das funções, jogo de infra-estruturas e problemas sociais, econômicos e ambientais do conjunto dos setores que compõem os países subdesenvolvidos. Um classificação que de resto possui um grande potencial de aplicabilidade a um país com as características do Brasil.
Pirangi - Quixadá, foto de Aziz Ab'Saber.

Vale do Poti entre Crateús e Oiticica, foto de Aziz Ab'Saber.

O Jaguaribe em Iguatu, foto de Aziz Ab'Saber.

Inselbergs de Quixadá, foto de Aziz Ab'Saber.




quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A mídia e os desastres naturais

A mediação interessada, tantas vezes interesseira, da mídia, conduz, não raro, à doutorização da linguagem, necessária para ampliar o seu crédito, e á falsidade do discurso, destinado a ensombrear o entendimento. O discurso do meio ambiente é carregado dessas tintas, exagerando certos aspectos em detrimento de outros, mas, sobretudo, mutilando o conjunto. (...) O que, em nosso tempo, seja talvez o traço mais dramático, é o papel que passaram a obter, na vida quotidiana, o medo e a fantasia. Sempre houve épocas de medo. Mas esta é uma época de medo permanente e generalizado. A fantasia sempre povoou o espírito dos homens. Mas agora, industrializada, ela invade todos os momentos e todos os recantos da existência a serviço do mercado e do poder e constitui, juntamente com o medo, um dado essencial de nosso modelo de vida. (...) Se antes a natureza podia criar o medo, hoje é o medo que cria uma natureza mediática e falsa, uma parte da natureza, sendo apresentada como se fosse o todo.

Milton Santos (1992): A Redescoberta da Natureza.

Os meios de comunicação têm noticiado de maneira bastante alarmista, diversos problemas globais relacionados à degradação do meio ambiente, principalmente os de grande magnitude, como os deslizamentos de terra, inundações, furacões, etc. Sabe-se que os eventos pluviométricos extremos, ocorrem de tempos em tempos, tanto que uma das variáveis analisadas em inundações consiste no Tempo de Retorno (TR), que é o tempo médio em anos que evento é igualado ou superado pelo menos uma vez.

Pintura de Carlos Fabra sobre o suposto Tsunami ocorrido na vila de São Vicente em 1542. Fonte: http://www.labjor.unicamp.br/

            Principalmente nesse momento que vivemos se faz necessário refletir sobre o fato de eventos desse porte, adquirirem o caráter de “sobrenaturais”. É preciso discernir sobre sua gênese. Eventos como esses, na sua maioria, sempre ocorreram, são conseqüência da dinâmica natural do planeta, e continuarão a ocorrer. O principal nesta questão é dar mais enfoque para o planejamento ambiental e social, do que para o planejamento econômico, mais presente atualmente.
            A relação do homem com a natureza ocorre historicamente através de uma aceitação e submissão fatalista dos desastres naturais, e uma visão equivocada de desenvolvimento tecnológico. Por exemplo, devemos compreender que as áreas de preservação permanente devem ser protegidas, ou seja, não podem ser ocupadas, pois, comprovadamente são importantes na preservação da fauna e da flora, além disto, compõem muitas vezes uma área natural de inundação dos rios, ou uma área de provável ocorrência de deslizamento, em caso de alta declividade.
            Não defendemos aqui que os “errados” são os moradores que ocupam essas áreas. Muitas vezes escutamos frases como: “Quem mandou ir morar lá?”, no entanto, é preciso destacar que devido à especulação imobiliária, os imóveis ficam com preços abusivos, o que acaba deslocando a população para áreas com valores mais acessíveis, em detrimento de qualidade de vida e segurança. Em alguns municípios do interior do Rio Grande do Sul, existem 3 possibilidades: residir em áreas de inundação, residir em áreas de alta declividade, ou pagar muito caro por uma residência em área com qualidade de vida.

Pintura do século XIX de Benedito Calixto retratando alagamento na Várzea do Carmo (SP), hoje centro da capital paulista. Fonte: http://www.cptec.inpe.br/noticias/imprimir/11955

            Enquanto isso, alguns gestores municipais, não dão a devida atenção para o planejamento ambiental, afinal, após a ocorrência de desastres naturais, tem-se ajuda da defesa civil ao decretar situação de emergência, e é realizada a reconstrução. O fato é que, mesmo que diversos estudos indiquem que para cada R$ 1,00 investido em prevenção, são gastos R$ 30,00 em reconstrução, enchendo os cofres das empreiteiras, as prefeituras não tomam atitude par reverter esta lógica.
            Assim, torna-se necessário mais do que nunca, que haja uma maior conscientização e participação da comunidade e dos gestores públicos em relação ao planejamento ambiental e às reais causas, conseqüências e alternativas que se tem diante da ocorrência de desastres naturais. Quanto à mídia, se vê freqüentemente uma parte voltada para o meio ambiente, para se considerar “na moda”, embora muitas vezes temas como meio ambiente e sustentabilidade sejam totalmente descabidos e vulgarizados, nisso, pelo menos propiciou que as pessoas mais “desligadas” tivessem uma pequena aproximação, com a temática ambiental.  Melhor do que nada.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sobre Desenvolvimento


Felipe Leindecker Monteblanco
Mestrando em Geografia - UFRGS

        A partir do início dos anos 1990 se acentuaram as controvérsias, os debates e os estudos sobre o desenvolvimento. Isso se deu em virtude de vários fatores, especialmente do agravamento da degradação ambiental, problema este resultante do modelo de desenvolvimento mundialmente difundido, baseado unilateralmente na economia e representado principalmente por números como o PIB.
     Neste contexto de novos pensares, no Brasil e no mundo, as discussões sobre desenvolvimento reapareceram com nova “aparência”, agregando diferentes adjetivos como, endógeno, exógeno, sustentável, local, territorial, entre outros. Particularmente, um deles ganhou maior destaque: o desenvolvimento sustentável, que passou a ter maior visibilidade a partir de documento publicado em 1988 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o chamado Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum. Nele, desenvolvimento sustentável aparece definido como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”.
      Após isso, passadas algumas décadas, o termo virou “moda” nas mais variadas atividades, ao passo que parece vir cada vez mais vazio de sentido.E, por vago, passou a servir a interesses diversos. Hoje é sinônimo tanto de nova ética do comportamento humano e de revolução ambiental quanto de mecanismo de ajuste da sociedade capitalista,um “capitalismo soft”.Para alguns autores, inclusive, por sua superficialidade, não pode nem mesmo ser considerado um conceito, pois estes são necessariamente complexos e implicam em reflexão sobre um problema a ser resolvido, como bem colocam os filósofos Deleuze e Guattari.
Porém, ao invés disso, esta “noção” de desenvolvimento sustentável tem acobertado os motores da crise ambiental à medida que propõe soluções de forma fragmentária e sem pensar nas origens complexas do problema. Generalizando tanto os culpados quanto os responsáveis pela necessária mudança e, confundindo o entendimento de ambiente e de natureza, esta idéia suprime a reflexão sobre o modo de produção de mercadorias e sobre a existência de classes sociais, dificultando a análise crítica.
      Por exemplo, campanhas de desenvolvimento sustentável envolvendo grandes empresas são mobilizadas para preservar a Amazônia, recuperar os rios, salvar do extermínio as nações indígenas e os animais em extinção. Mas o que fazer diante dos pobres que continuam a chegar nas grandes cidades? Por isso, a busca por soluções para a crise ambiental deve pressupor ações (gestão) que necessariamente devem incluir a busca de soluções para a pobreza estrutural que assola muitos países, e não se restringir somente a mitigar impactos das atividades humanas na natureza por si só. É evidente que problemas como esses não são desconexos e, portanto, não podem ser resolvidos isoladamente.
      Os anos de políticas setoriais, estanques e compartimentadas de desenvolvimento já mostraram seu resultado perverso, já se sabe há muito tempo que a realidade não é uma coleção de coisas independentes, mas sim um todo uno, múltiplo e complexo. Durante os anos do “milagre brasileiro”, por exemplo, era anunciado que o Brasil estava às portas do desenvolvimento devido à economia, que já era a oitava maior do mundo. Não se levava em conta que nestes mesmos anos, registravam-se os maiores picos de pobreza e desigualdade e de degradação ambiental.
      Por isso, como afirma o ex-ministro Carlos Minc, a questão ecológica está muito atrelada à justiça social.“Só haverá desenvolvimento ecologicamente viável em uma sociedade profundamente democrática, na qual a população tenha realmente poder sobre a organização da economia e do uso do espaço e também o poder de inventar novos direitos que ampliem seus espaços de autonomia e de liberdade”.
      Assim, deve estar em primeiro plano que, repensar o desenvolvimento é não uma alternativa, mas uma necessidade, e nisso já existem grandes avanços. Porém, não custa se perguntar quantas vezes for preciso: o que é realmente desenvolvimento? Pra que, pra quem e por que ele é preciso? Ele precisa de complementos (sustentável, regional, endógeno, etc.)? Ou deveria ter um significado universal?  Existe um modelo a seguir?  Ou devem ser respeitadas as diferenças provindas das identidades/culturas/enraizamentos?
      Para exemplificar e finalizar, o caso de Sant’Ana do Livramento é interessante, pois nele, questionamentos como estes colocados se fazem oportunos. Chegaram os “bons ventos”, trazendo consigo o estandarte do desenvolvimento sustentável para o município, justamente por se tratar de uma energia limpa e renovável. Porém, não por mau gosto, mas pelo contrário, por querer Sant’Ana cada vez melhor, é preciso questionar: além da energia limpa, que outros motivos levarão a chamar a chegada deste empreendimento de desenvolvimento? e de sustentável? Incremento na arrecadação? Turismo? Parece que sim.
      No entanto, como o visto no exemplo dos anos do “milagre brasileiro”, crescer o bolo não significa nada até que ele seja repartido. Tampouco, energia limpa significa estômago cheio. Então, antes de comemorar, é preciso estar de olho por trás das roupagens, para ver que tipo de desenvolvimento está se desenhando na fronteira.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A história da água engarrafada

            Acabei de assistir a um vídeo sobre “A história da água engarrafada”, e a idéia que tinha de escrever sobre a água e seus desdobramentos, que vão desde questões que envolvem a dinâmica natural, a contaminação da água, até os conflitos entre nações provocadas pela sua escassez fez ressurgir este tema aqui no blog.
          Independentemente do uso que se faça, para abastecimento humano, ou para outros fins, como o industrial, a água que dispomos no planeta, possui limitações e deve ser preservada. Entretanto, não há um consenso entre cientistas e estudiosos do assunto quanto a sua escassez. O que sabemos de concreto é que as quantidades disponíveis de água para o consumo humano são muito reduzidas e com o aumento das diversas formas de poluição reduz-se ainda mais a potabilidade deste item, que é essencial a nossa sobrevivência.


         
        Toda esta limitação desencadeia diversos conflitos entre países que possuem reservas de água reduzidas. Exemplos existem vários, como o caso da Turquia, onde projetos para construção de represas no rio Eufrates levaram o país à beira de um conflito com a Síria em 1998 e a tensão que surgiu entre o Egito e a Etiópia, que reivindica uma parte maior da água “azul” do Nilo, só pra citar alguns casos.
Acrescenta-se a estas questões problemas como a privatização da água, que já acontece em várias regiões do mundo. Na maioria dos casos a privatização aumentou consideravelmente os custos da água, sem necessariamente melhorar os serviços para a população. Um exemplo é a privatização dos serviços de água de Buenos Aires pela empresa Suez, que gerou aumentos sucessivos, superiores a 40%, nas tarifas de consumo.
Em outros países, empresas como a Coca-Cola e a Nestlé aumentam crescentemente a exportação de água engarrafada, pensando unicamente no aumento dos lucros, sem nenhuma preocupação com a população local e com a preservação dos mananciais hídricos existentes. De acordo com Barlow e Clarke (2003) “as receitas anuais da indústria da água chegavam a aproximadamente 40% do setor de petróleo e já eram 1/3 maiores que as do setor farmacêutico em 2000, o que levou alguns analistas a considerarem como o melhor “setor” do próximo século, “um porto seguro para investimento em ações”.
A questão da água ultrapassa a privatização, a “mercantilização” e os conflitos entre nações. A questão essencial para o futuro deste recurso natural é o seu uso adequado, a preservação dos mananciais existentes e o controle da poluição. Se há uma tendência a escassez, isto se refle na falta de gerenciamento e na desigualdade de distribuição entre países "ricos" de água, como o Brasil, daqueles considerados "pobres", como Moçambique.

Abaixo segue o vídeo: história da água engarrafada:

sábado, 16 de julho de 2011

A Geografia e os avanços tecnológicos

A evolução da tecnologia atualmente acontece de forma tão rápida que é quase impossível acompanhar as mudanças e as inovações que surgem a todo momento. A inteligência humana busca constantemente soluções mais eficazes para produtos, equipamentos, veículos, eletroeletrônicos, etc. que tornam nossa vida mais fácil. Quem imaginava que o futuro era apenas coisa de cinema enganou-se, pois, ele já chegou e, de certa forma, superou e está superando expectativas.
Inserindo, especificadamente, estas inovações para “o mundo geográfico” podemos dizer que a tecnologia e seus avanços contribuíram enormemente para elevar a geografia a um patamar nunca antes imaginado. Quem poderia prever que em épocas remotas, de povos da antiguidade como os da Grécia antiga, império Romano, Mesopotâmia, entres outros, que poderíamos utilizar  imagens de satélites de alta resolução espacial para a confecção de mapas? Talvez, mapas como o T-O ou o de Hereford, alguns dos primeiros mapas desenvolvidos, tivessem uma configuração diferente e uma melhor representação se utilizassem as modernas técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto.

     Fonte: The Hereford Map. Em: http://www.dac.neu.edu/english/kakelly/med/hereford.html

A disponibilidade de softwares, de imagens de satélites e de equipamentos, como o GPS (tanto os de navegação, como os topográficos e os geodésicos), radares, barômetros, espectrômetros, supercomputadores... etc. facilitam e dinamizam em muito o trabalho de análise e de pesquisas em várias áreas objeto de estudo dos Geógrafos.
Inclusive no ensino em sala de aula o avanço da tecnologia contribui significativamente para a melhoria do aprendizado, pois, possibilita que o aluno tenha contato prático com o que foi aprendido teoricamente, colaborando para uma melhor “absorção” dos conteúdos, com o uso de aparelhos GPS e de mídias interativas, por exemplo.
Falando em mídias interativas destacamos a contribuição do software Google Earth, que revolucionou a maneira como “enxergamos” a terra. A partir desta ferramenta do Google é possível visualizar quase todos os cantos do planeta, de leste a oeste, de norte a sul. Gradativamente o Google Earth se inova, lançando aplicativos e plataformas que permitem conhecer lugares sem que para isso tenhamos que sair da frente do computador.
Entre as inúmeras possibilidades de navegação através deste recurso chamam a atenção as descobertas realizadas por cientistas de várias partes do mundo através do Google Earth. O site Cracked.com publicou recentemente algumas descobertas excepcionais para a humanidade, que só foram possíveis graças a esta ferramenta.
Muitas destas descobertas estão em ambientes desconhecidos do planeta, como uma floresta em Moçambique, descoberta por cientistas britânicos, onde, foram encontradas espécies que evoluíram por anos sob completo isolamento de outras criaturas conhecidas.
Outra descoberta realizada a partir do Google Earth foi a de um pesquisador italiano que durante uma pesquisa das imagens do software se deparou com algo extraordinário em uma das áreas mais remotas e difíceis de explorar no planeta: o deserto do Saara. O que apareceu em sua tela era algo geralmente visto somente em nossa própria Lua e outros planetas - uma cratera, aberta pelo impacto de um meteorito, com 48 m de diâmetro. Uma vez que o Saara é um lugar tão difícil para a manutenção da vida, como a Lua e outros planetas, a evidência deixada pelo meteorito ficou intocada.
O Cracked.com também publicou outras descobertas realizadas através do Google Earth, como a de escavadores que acharam em uma caverna da Itália uma larga pedra com fósseis de uma baleia que datavam de 40 milhões de anos; a de um professor que estava usando o Google Earth para procurar cavernas e terrenos desconhecidos em Joanesburgo, na África do Sul, quando percebeu uma série de desníveis em um determinado terreno, o que poderia indicar que havia ossadas enterradas ali, que teriam 2 milhões de anos e, a descoberta do programador Luca Mori. Este, quando “passeava” pelo Google Earth na cidade de Sorbolo, na Itália, descobriu restos de construções de antigas civilizações. Quando ele foi ao local viu que grande parte das construções estava, na verdade, enterrada e eram de uma vila romana, datada em 2 mil anos.
Percebe-se que a evolução da ciência tem ligação direta com as inovações tecnológicas. Exemplos como os do Google Earth, simbolizam este novo mundo que a cada dia se reinventa.
De um modo particular a tecnologia subsidia e fornece contribuições importantes para que a ciência de um modo geral e, em especial a ciência geográfica, que se detém no estudo da superfície terrestre e a distribuição espacial de fenômenos significativos na paisagem, possa se desenvolver ainda mais, possibilitando a seus estudiosos e pesquisadores múltiplas formas de desvendar e caracterizar o planeta.


Acesse as fotos das descoberta em:

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Software Livre e SIGs

Os sistemas de informações Geográficas (SIG’s) tornam-se cada vez mais imprescindíveis para estudos de caráter ambiental assim como para diversas áreas do conhecimento. Pode ser utilizado como uma componente espacial, desde a cartografia até projetos que envolvem o marketing e a publicidade.
De acordo com Silva (2003) “o sistema de informações geo-referenciadas ou sistema de informações geográficas (SIGs) são usualmente aceitos como sendo uma tecnologia que possui o ferramental necessário para realizar análises com dados espaciais”.
Para as empresas especializadas no desenvolvimento de softwares, que oferecem múltiplos recursos tecnológicos para a manipulação dos SIGs, a comercialização envolve altos valores, dificultando muitas vezes o acesso de estudantes e pesquisadores a estes programas.
O uso de tecnologias livres e de códigos abertos contribui bastante para a universalização e democratização do acesso as tecnologias e para o desenvolvimento do Geoprocessamento e, consequentemente para a manipulação dos SIGs.
Neste contexto, são bem vindas iniciativas como a da revista FOSSGIS Brasil, que disponibiliza como conteúdo informações sobre o acesso a tecnologias livres e gratuitas. Lançada em março deste ano a revista “nasceu” para atender a necessidade de um periódico de alta qualidade, baseado nos princípios do software livre.
A revista é distribuída gratuitamente, sem necessidade de se realizar quaisquer cadastros, pagamento de taxas ou algo do gênero. Para obter o exemplar da revista é necessário apenas realizar o download na seção correspondente no site da revista.
Como destaca um dos artigos introdutórios da revista “na atualidade, o software de código aberto é visto como uma inovação e definido como uma fonte de liberdade, pois, possibilita ver e modificar o código, permitindo a comunidade que trabalhe em conjunto para manter o software estável e atualizado, com o objetivo de ir ao encontro dos objetivos” dos trabalhos ou pesquisas específicos.

A grande contribuição da revista é de fomentar o mercado das geotecnologias livres, e mostrar as alternativas existentes como opção às soluções comerciais, como o software  gvSIG, que vem sendo apontado como uma alternativa ao programa proprietário para SIG da ESRI, empresa que desenvolveu o ArcGIS.
O gvSIG foi desenvolvido em 2003 e sua primeira versão é de 2004, se constituindo a partir desta data em uma alternativa eficiente e livre. Atualmente este software possui várias versões: gvSIG Desktop, gvSIG Mobile e gvSIG Mini. O gvSIG possui licença pública, permitindo que se execute, altere, edite e seja redistribuído livremente, tendo total acesso ao seu código fonte.
           Outra característica do gvSIG são os formatos de dados espaciais que são disponibilizadas nas extensões mais comumente usadas: vetoriais - Shapefile, DWG, DXF E DGN e matriciais e acesso e manipulação de padrões OGC tais como KML, GML WMS, WFS e WCS.
           As alternativas proporcionadas por estes softwares atualmente, através das suas características e do suporte a execução dos SIGs, levam-nos a um novo patamar de acesso livre as novas tecnologias de processamento de dados e de informações geográficas.
         Os softwares livres estão se popularizando gradativamente beneficiando inúmeros profissionais, estudantes e pesquisadores, permitindo um acesso democrático e uma opção ao fechado mercado comercial.

Link da revista: http://fossgisbrasil.com.br/

REFERÊNCIAS:

SILVA, A. de B. Sistemas de Informações Geo-referenciadas: conceitos e fundamentos. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1999.
MEDEIROS, A. M. L. Um Raio-X do Projeto gvSIG. Revista FOSSGIS Brasil, edição nº 1. 39-42. 2011.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

CREGEO: Um Conselho próprio para os Geógrafos?

Neste 29 de maio dia do GEÓGRAFO, data de grande relevância para a nossa categoria, nos permitimos fazer uma reflexão sobre os caminhos que percorremos até aqui e, qual é o futuro que a nossa profissão nos reserva.
Com o passar dos anos, inegavelmente, há uma tendência progressiva de crescimento e valorização dos Geógrafos. O “mercado” começa a perceber a nossa importância no momento em que nossas atribuições tornam-se fundamentais no desenvolvimento de setores técnicos e de pesquisas antes restritas a outras áreas.
Até mesmo por desconhecimento é que empresas, órgãos governamentais e instituições possuem dúvidas relativas às habilitações que podemos realizar. Mas, a partir da inserção gradual dos Geógrafos nestas organizações o reconhecimento das atividades desenvolvidas vai adquirindo força e a repercussão do trabalho realizado torna-se significativa.
                 
                                       http://www.new.divirta-se.uai.com.br/

É claro que ainda temos muito a conquistar, principalmente no que diz respeito a autovalorização profissional. Precisamos compreender que é através da organização que poderemos incluir nossa profissão no mesmo patamar alcançado por áreas que hoje dominam o mercado onde também podemos atuar.
Neste contexto e diante das notícias vindas a respeito da desvinculação dos Arquitetos do sistema CONFEA-CREA, com a criação do CAU-BR, deve surgir em nós Geógrafos uma motivação para a criação do nosso conselho próprio.
O exemplo dos arquitetos, claro que analisado detalhadamente, serve para iniciarmos um debate amplo sobre este possibilidade. Por mais boa vontade que possa existir através do CREA, a representação dos Geógrafos é de certa forma ineficiente, pois, as câmaras temáticas deste conselho possuem um reduzido número de profissionais da Geografia.
Neste caso, surgem algumas indagações que precisamos também considerar: os espaços muitas vezes estão disponíveis, mas há participação? Assim, retomo o que falei anteriormente, é preciso organização. Precisamos discutir sobre quem vai participar do conselho dos Geógrafos - que este blog lança ambiciosamente sob o nome de CREGEO (Conselho Regional, e federal, de Geógrafos) - Somente os bacharéis? Ou poderemos agregar a todos os graduados em Geografia?
São questões de grande relevância e da qual temos sim que iniciar um debate. Ainda mais nesta data que representa o dia dos Geógrafos e simboliza os avanços e a história percorrida por todos nós atualmente.
Parabéns a todos os Geógrafos e que o CREGEO não seja apenas um sonho!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Estágio profissional em Geografia: formação, prática e reconhecimento

Roberto Verdum
Departamento de Geografia/IG/UFRGS


Quando se discute a formação e o papel do geógrafo na sociedade, necessariamente, questionam-se a construção histórica dos referenciais deste profissional e a sua responsabilidade social frente às demandas que se apresentam como fazendo parte de suas atribuições profissionais. Neste sentido, é fundamental questionar nossa formação, o reconhecimento e a atuação profissional. Estes três processos estão imbricados e revelam-se essencialmente díspares no conjunto dos profissionais de Geografia no país.
Atualmente, avalia-se que dois conceitos são básicos na produção geográfica brasileira: planejamento territorial e ambiental. O primeiro se formaliza, sobretudo a partir da construção das economias após a II Guerra Mundial, que impulsionaram as primeiras tentativas de planificação territorial. Já as práticas relacionadas ao conceito de ambiente são derivadas das pressões sociais e das políticas de proteção à natureza, geradas pela própria disfunção dos programas de planejamento territorial. No Brasil, essas dinâmicas sociais culminam com a elaboração das políticas relativas à avaliação dos impactos ambientais e seus respectivos instrumentos – Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental - (EIA e RIMA) – a partir da década de 1980. Neste contexto, entende-se que aos geógrafos caberia buscar e assegurar a dinâmica das suas práticas profissionais operando os conceitos de ambiente e território na perspectiva do planejamento. Inclusive no seu aspecto preventivo e prospectivo. Assim, caberia à Geografia estudar, definir e caracterizar as configurações espaciais dos fenômenos através do conceito de território e ambiente com o uso das diversas técnicas inerentes a sua formação (p. ex.: cartografia, foto-interpretação, sensoriamento remoto, etc.).
Destaca-se que, para o estudo das configurações espaciais dos fenômenos, três níveis de análise são fundamentais:
a) poder distinguir o(s) fenômeno(s) a ser(em) estudado no espaço geográfico;
b) poder analisar o dinamismo diferenciado do(s) fenômeno(s): escala temporal;
c) poder analisar e representar a dimensão do(s) fenômeno(s): escala espacial.

Assim, reconhecer a necessidade de formação e de capacitação do profissional nesta perspectiva é fundamental, para que este possa responder à sociedade, a partir das suas demandas, além de poder elaborar outras proposições de estudos ainda não manifestadas por ela.
Neste sentido, é necessária a reflexão cotidiana entre os estudantes e os profissionais da Geografia sobre como fazer esta área do conhecimento ser (re) conhecida e a necessidade de se fazer reconhecer como importante profissional disponível à sociedade. Profissional este capaz de refletir, elaborar, propor e implantar projetos essenciais à melhoria de determinadas demandas sociais. Isto é, tanto aquelas ações profissionais consideradas diretamente aplicáveis em relação a essas demandas, como aquelas que são fundamentais para a construção do aprimoramento teórico e metodológico da Geografia.


Quando nos propomos a trabalhar com a disciplina GEO 01009 - Estágio Profissional em Geografia, do Departamento de Geografia - IG – UFRGS, tínhamos a intuição que esta disciplina teria uma importância significativa no que se refere à formação dos alunos do curso de graduação, assim como na externalização  das atividades profissionais que concernem ao bacharel em Geografia. Neste sentido, iniciamos nossa estratégia a partir de contatos com instituições públicas e privadas realizando um levantamento preliminar dos locais onde existiam colegas geógrafos em atividade. Além disso, ao iniciarmos a primeira turma em 1999 procuramos ouvi-los na tentativa de atender os locais de seu interesse para a realização do estágio, assim como das atividades a serem desenvolvidas. Desta forma, estrategicamente iniciávamos os primeiros contatos com profissionais geógrafos ou não, que trabalham em instituições potencialmente interessantes para o desenvolvimento das atividades do estagiário e, por conseguinte, para o Geógrafo. Ou seja, não só criávamos a vaga para a realização do estágio, mas, também, o (re) conhecimento das potencialidades desse profissional.
Hoje, pode-se avaliar que os resultados alcançados ultrapassam as expectativas, tanto em quantidade como na qualidade dos estágios oferecidos na disciplina. Como características essenciais das experiências desenvolvidas pelos estagiários, destacam-se as várias temáticas capazes de serem oferecidas, tais como: estudos de caracterização e gestão regional, planejamento urbano, estudos de caracterização e estratégias fundiárias, análise de processos e dinâmicas ambientais, educação ambiental, elaboração e gerenciamento de bancos de dados e geração de produtos cartográficos digitais. Em relação aos problemas propostos para os estagiários nas temáticas territorial e ambiental, verificamos uma diversidade que acompanha o leque de possibilidades de estágio, que crescem a cada semestre.
Reforçamos que, em relação a essas experiências de estágios, que poderiam ser pensadas como atreladas somente ao meio acadêmico, os resultados gerados são muito interessantes. Inclusive, merecem ser ampliadas pela adoção de estratégias da Comissão de Carreira do Curso, assim como das associações profissionais, AGB-PA e AGP-RS. Como exemplo, há a possibilidade de se efetivar, posteriormente aos seus estágios curriculares, a continuidade das atividades dos alunos como estagiários remunerados e/ou como técnicos na perspectiva da futura contratação como geógrafos. Além disso, no contexto das relações que se estabelecem com as instituições que os acolhem, projeta-se a possibilidade do surgimento de projetos mútuos entre o Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da UFRGS e essas instituições. Este fato tem incentivado e consolidado a política adotada na disciplina, assim como, tem proporcionado a ampliação do reconhecimento do profissional nas demandas sociais. Demandas estas que não só se restringem a uma mera questão de mercado, mas que buscam construir outras referências que possibilitem a atuação profissional e o aprimoramento técnico-científico associados a elas.


Dicas de leitura:

CALLAI, Helena Copetti. A Formação do profissional da Geografia. Ijui: Ed. Unijui, 1999. v1. 80p.

HEIDRICH, Álvaro Luiz & VERDUM, Roberto. Estágio profissional em Geografia pela UFRGS. Porto Alegre: Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre. Boletim Gaúcho de Geografia. nº 27. p. 166-70. 2001.

PEDROSO, Nelson Garcia (org.) Geógrafos legislação, formação e marcado de trabalho. São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros. 1996.

VERDUM, Roberto. Perícias e laudos técnicos: Um espaço para uma nova prática científica. In: VERDUM, Roberto e MEDEIROS, Rosa Maria Vieira. RIMA: Relatório de impacto ambiental - legislação, elaboração e resultados. Porto Alegre: Ed. da Universidade da UFRGS, 5° edição. 2006.

terça-feira, 26 de abril de 2011

LÍBIA: A GUERRA DO PETRÓLEO

No final de março, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) assumiu o comando das operações militares contra as forças de Kadafi, que reprimem as manifestações contrárias à ditadura do presidente Líbio.
Os Estados Unidos e os países europeus envolvidos conduzem esta ofensiva com a justificativa de acabar com o autoritarismo dos apoiadores do governo de Kadafi. Entretanto, convém lembrar que as maiores reservas de petróleo do continente africano são as existentes na Líbia. Neste caso, a operação militar deflagrada pela OTAN, assim como a que ocorreu no Iraque, se configura num álibi na tentativa de privatização da produção petrolífera e na inserção das empresas norte-americanas e europeias neste país.
                           
Em entrevista à Folha de São Paulo o sociólogo José Luís Fiori (coordenador do programa de pós-graduação em economia política internacional da UFRJ) declarou que a operação militar deflagrada na Líbia não se trata de uma discussão sobre o direito a vida dos líbios, ou sobre os chamados direitos humanos, e menos ainda, sobre democracia. Segundo afirmou, nesta, como em todas as demais intervenções deste tipo, de europeus e dos EUA, feitas neste último século, jamais se esclarece a questão central de quem tem o direito de julgar e arbitrar a existência ou não de desrespeito aos direitos humanos em algum país em particular.
Ele destaca ainda que a questão central na Líbia não é apenas petróleo, mas o que também está em jogo é o controle de uma região fronteiriça da Europa, parte importante á época do Império Romano. “Acho que já estamos assistindo uma nova corrida imperialista na África, e que não é impossível que se volte a cogitar de alguma forma renovada de colonialismo”, conclui o sociólogo.
Mesmo que a intervenção possua outros desdobramentos é inevitável que as análises se detenham a cerca do petróleo, pois, a Líbia é o 17.º maior produtor mundial. Produz 1,7 milhões de barris por dia, do total de 88 milhões a nível mundial.
As estimativas mais recentes situam as reservas de petróleo da Líbia nos 60 bilhões de barris. As suas reservas de gás em 1.5 trilhão de metros cúbicos. A sua produção tem estado entre 1,3 e 1,7 milhão de barris/dia e a produção de gás de 2,6 bilhões de pés cúbicos por dia (Diário da África), de acordo com os dados da National Oil Corporation (NOC).
Outro fator que gera reflexões da ofensiva militar na Líbia é sobre a presença da China no norte da África (11% das exportações da Líbia são para os chineses). Analistas consideram que os Estados Unidos pretendem afastar a China e consequentemente a chinesa National Petroleum Corp (CNPC) desta região do continente africano.
Todas estas questões deixam-nos perplexos e nos fazem refletir sobre até onde os governos são capazes de ir à busca de benefícios financeiros. Para eles não importa se haverá perdas de vidas inocentes e se a destruição da ordem de países será afetada, o que realmente importa é busca incessante de seus objetivos, articulando coalizões que buscam a todo custo o predomínio da força ao invés do diálogo e da negociação política.
É este ponto de vista que defendemos: a solução deve ser pacífica. A negociação diplomática neste caso deve ser decisiva. Os ataques continuam, vidas são perdidas quase todos os dias e, no entanto, o conflito não chega ao fim. As negociações devem incluir um conjunto maior de países e a ofensiva militar da OTAN cessar imediatamente.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Novo Código Florestal e Sustentabilidade

Neste novo texto o blog Geógrafos traz uma reflexão sobre o Código Florestal, um assunto que atualmente vem provocando polêmica no país inteiro, pois as mudanças que estão previstas são significativas para o meio ambiente e para as formas de ocupação do nosso território.
Em primeiro lugar, qualquer mudança que ocorra deve ter como principio fundamental a preservação dos recursos naturais do país. É inegável que o código vigente precisa de reformulação, assim, como outros códigos de diversas áreas que estão desatualizados, entretanto, não podemos permitir que ocorra um retrocesso e sim, devemos propor novas formas de preservação associadas ao desenvolvimento sustentável.
É justamente esta palavra: “sustentabilidade”, na “moda” atualmente, que deve ser a prioridade do novo código. Sem dúvida alguma há problemas que envolvem pequenas propriedades, muitas delas localizadas em áreas que inviabilizariam uma produtividade agrícola adequada, como as situadas em Santa Catarina. Mas, este fato não pode servir como justificativa para generalização de mudanças no vasto território do país.
As mudanças no percentual de reserva legal preservada, por exemplo, produzirão impactos diferenciados nas cinco regiões do país. Na proposta do novo código, as propriedades com até quatro módulos fiscais, ficariam desobrigadas da preservação da reserva legal de 20% em todo o Brasil.
Há que se considerar que na região amazônica, as características e peculiaridades existentes são diferenciadas e, além disso, sua representatividade para o país e para o mundo é significativa. Por este motivo, o novo código florestal deve atender as especificidades regionais, protegendo a biodiversidade e permitindo a aplicação de uma sustentabilidade real.
Outro ponto que gera polêmica no novo código florestal relaciona-se à diminuição das áreas de Preservação Permanente (APP’s). Na nova proposta, as APPs às margens de rios que devem ser preservadas seriam reduzidas de 30 metros de largura para 15 metros, em rios de 5 metros de largura. Este é um dos fatos mais preocupantes, pois, é possível verificar em quase todas as cidades do país uma ocupação desordenada, mesmo com a exigência atual. A urbanização avança progressivamente sobre córregos e rios e a vegetação quando não é suprimida é “sufocada” por habitações e outros instrumentos urbanos.
Além destas, existem outras mudanças que estão sendo sugeridas para o novo código florestal na tentativa de melhorar a produtividade e aumentar as áreas de lavoura nas pequenas propriedades, como as que modificam a proteção de nascentes. De acordo com a regra atual, a exigência é para a preservação da vegetação nativa em toda área em um raio de 50 metros da nascente, o que para muitos produtores inviabilizaria a produção se existirem mais de uma nascente na propriedade.
De fato, este problema existe, mas não é regra geral em todas as propriedades do país. Desta forma, devemos buscar alternativas e soluções que permitam uma produção agrícola associada à preservação das nascentes. Se isto não for possível, o novo código deve procurar formas de garantir subsídios governamentais que não prejudiquem os proprietários destas áreas, como por exemplo, a criação de reservas ambientais.


As mudanças no código florestal são muitas, assim, como os debates devem ser. É com este propósito que introduzimos este artigo, buscando ampliar as discussões e trazendo alguns aspectos que julgamos relevantes. Neste sentido, as conclusões que ficam é que seja o que for aprovado deve-se ter como princípio que a sustentabilidade não é utopia, desta forma, as mudanças propostas podem e devem seguir esta lógica, ou seja, não devem impedir o desenvolvimento agrícola nacional, mas, também não podem em função disto, criar regras que facilitem de alguma forma a ampliação de impactos ambientais.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Os alimentos em sua geografia

Não quero aqui defender a criação de mais um segmento dentro do mundo, já tão amplo, de atuação dos Geógrafos. Mas hoje, me sinto na obrigação, como geógrafa, de trazer um tema para debate que poucas vezes é lembrado pelo mundo geográfico ou então, noutras tantas, passamos sempre pela tangente.

Gostaria de explorar um pouco o universo da alimentação, dos espaços de consumo, dos hábitos alimentares, da sociedade de consumo, dos produtos diferenciados, etc, etc, etc. O alimento, em seu processo de transformação, movimenta o mundo e a sociedade. Vivemos para produzir, para comprar, para transformar. A relação entre a sociedade e a natureza é mediada pela técnica e baseada na demanda por usos alimentares. A formação socioespacial que caracteriza cada civilização e sua cultura, está diretamente relacionada pelas formas com que se apropria da natureza e a transforma para garantir a sua reprodução social, ou seja, passamos mais uma vez pela discussão dos diferentes hábitos alimentares.

Enfim, a questão poderia ser expressa da seguinte forma: qual é a geografia da alimentação? Falo disso, pois para produzir qualquer alimento, faz-se necessário pensar todo circuito espacial de produção, definido e defendido por Milton Santos como um dos papéis dos geógrafos. Sem falar que, historicamente, a análise geográfica se preocupa com um espaço que é fruto da ação do homem sobre a natureza, isso resulta em tipos diferentes de ocupações que denominamos de formação sócioespacial, ou seja, cada sociedade tem uma forma diferenciada de se apropriar e re-construir seu espaço. A humanidade re-organiza e constrói espaço para que? Bom, uma das intenções sempre presentes é a da produção, e aí entra a alimentação como uma das primeiras necessidades básicas e que representa um dos principais saltos evolutivos, quando a humanidade consegue deixar de depender do alimento oferecido pela natureza tão somente, e consegue produzi-lo.

Portanto, a alimentação (ou mesmo a falta dela ou sua carência nutricional) é um tema cada vez mais pertinente ao mundo global. Se torna um eixo central quando se discute qualidade de vida e, para tal, o alimento, em muitos casos, já deixou de ser considerado apenas em seu aspecto quantitativo, mas também e, principalmente, qualitativo. E quando falamos em qualidade, não tratamos apenas dos seus aspectos nutricionais que são imprescendíveis, mas falamos também de seus adereços simbólicos, que constroem culturas, identidades, perspectivas, memórias. O alimento é um objeto de estudo por excelência. Não falo somente de sua relação com a sociedade, pois os sociólogos já vem explorando a questão. Falo de sua relação com o circuito de produção, com o planejamento, com a gestão do espaço, com escalas de poder de decisão, de sua relação com os glocalismos e os localizmos. Falo dos espaços de consumo e, principalmente, de produção. Aliás, os espaços de produção vem sendo delimitados conforme sua especificidade e as identidades geográficas vem para ratificar isso.

Cabe a nós, geógrafos e cientistas de todas as bandeiras, abraçar e olhar para essa causa! Ela nos desafia a pensar os novos tempos e, principalmente, a projetar ações concretas ainda mais quando estamos em débito com a natureza.

Aline Weber SulzbacherGeógrafa, Mestre em Extensão Rural - UFSM/RS
Doutorado em Geografia - UNESP/Presidente Prudente